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Resenha literária – O Pintassilgo (Donna Tartt)

by on setembro 16, 2014
 

O Pintassilgo (The Goldfinch no original, publicado no Brasil pela Companhia das Letras) da escritora norte americana Donna Tartt já é uma obra bem renomada. Ganhador do Pulitzer 2014, o livro ficou um bocado de tempo na lista dos mais vendidos do New York Times e é recomendado por gente como Stephen King. Aliás, King diz o seguinte sobre essa oba: “O Pintassilgo é uma raridade que aparece, talvez, meia dúzia de vezes por década, um romance literário escrito de maneira esperta que conecta com o coração e com a mente… Donna Tartt entrega um incrível trabalho de ficção.”. Bem, com currículo desses a opinião de um blog sobre esse livro não é lá muito relevante. Mas tanto faz, vamos dar nosso pitaco, nosso palpite, sobre esse calhamaço de 728 páginas.

Theodore Decker, um nova-iorquino de treze anos, sobrevive milagrosamente a um acidente terrível que mata sua mãe. Abandonado pelo pai, Theo vai viver com a família de um amigo rico. Desnorteado em seu novo e estranho apartamento na Park Avenue, perseguido por colegas da escola com quem não consegue se comunicar e, acima de tudo, atormentado pela ausência da mãe, Theo se apega a uma importante lembrança dela – uma pequena, misteriosa e cativante pintura que acabará por arrastá-lo ao submundo da arte. Já adulto, Theo, agora com 27 anos, circula com desenvoltura entre os salões nobres e o empoeirado labirinto da loja de antiguidades onde trabalha. Devido a seu apego ao quadro favorito de sua mãe, ele vê sua vida dar uma reviravolta. O jovem acaba escondido em um hotel em Amsterdã, procurando seu nome em artigos de jornais sensacionalistas holandeses, cuja língua ele sequer consegue entender. Apaixonado e em transe, ele será lançado ao centro de uma perigosa conspiração.

Eu gostei de O Pintassilgo. O começo do livro é uma das aberturas mais poderosas que já vi nas páginas de uma obra nos últimos anos. É uma cena muito crível, uma perda muito real e por motivos tão fora do controle de qualquer um que é impossível não rolar uma empatia com o jovem Theo. O protagonista acaba obcecado com o outro sobrevivente do acidente do começo do livro, um quadro do século XVII, que dá nome ao livro em questão, chamado “O pintassilgo”, uma obra do artista holandês Carel Fabritius. O quadro é o centro da narrativa: ele é admirado por Theo e sua mãe, acaba sendo “adquirido” pelo jovem e fica indo e vindo às mãos desse amante das artes. Às vezes o livro esquece do quadro e volta para ele do nada, o que quebra certas passagens. Ou seja, o quadro é responsável por botar um freio no ritmo acelerado da narrativa. Mas nada que chegue a estragar o livro.

Tartt é uma mestra do prenuncio, deixando a gente saber o suficiente do que esta por vir e mesmo assim ela nós faz sentir surpresos e emotivos quando o inevitável ocorre. É um livro que você não consegue largar, devido à tamanha curiosidade de ver onde Theo irá parar. Apesar de muito drama e dor, não ache que esse é um livro pra baixo. Há bastante sarcasmo, esperança e humor para balancear o clima dessa obra. É um romance longo, polido e com linguagem rica, fruto dos dez anos que Donna Tartt levou para completar O Pintassilgo.

E é uma perda de tempo definir o gênero desse livro: ele é ora suspense, ora reportagem, ora um drama psicológico, e claro, ora policial. Uma outra característica muito bacana do romance é um reflexo da cultura da autora. Não há passagem que não faça referência a nomes tão distintos quanto São Tomás de Aquino, Orson Welles, Platão ou Thom Yorke. Ela vai de Dante Alighieri a Ian Curtis com a naturalidade de quem troca de ala num museu.

Apesar de alguns cenários mais exagerados, o livro é de um realismo impressionante. Nunca visitei o lado underground de Las Vegas ou conheci traficantes ucranianos. Contudo, Tartt retrata ambientes e pessoas de tal modo que parece que você mesmo passou pelos locais ou conhece tais figuras. Humor com dialetos é raro hoje em dia, devido ao medo de ser politicamente incorreto, mas essa obra flerta com esse tipo de humor com maestria e a dose certa de ironia.

O livro retrata muito bem os diversos relacionamentos de Theo. Principalmente a amizade masculina. Porém é logo no relacionamento com as mulheres que a autora não consegue passar o ar de veracidade. Ok, o jovem é traumatizado pela perda da mãe e tudo mais, mas isso ressoa de um modo tão absurdo no livro que as passagens “românticas” são um tanto cansativas e chatas.

O livro aborda temas interessantíssimos, como: até onde controlamos nosso destino? Tudo é fora de controle, randômico? Objetos possuem “alma”? Qual o significado da autenticidade? Uma cópia pode ser tão significativa quanto o original? A ausência tem tanto ou mais impacto que a presença? E que peso o amor tem sobre nosso comportamento e personalidade? Todas essas questões complexas são abordadas ao longo de O Pintassilgo. E apesar do tom pessimista da maioria das reflexões, o livro celebra bastante o valor da amizade e o peso da arte em nossas vidas.

É um livro maravilhoso, talvez um pouco pesado para alguns. Entretanto é uma obra com personagens marcantes (Boris é o cara), que vale cada centavo e hora dedicada para sua leitura. Adquira O Pintassilgo para ontem, você só tem a ganhar.

Nota: 4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

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Para ver nossas críticas sobre outras obras literárias, clique AQUI.

comentários
 
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  • vera
    outubro 14, 2014 at 2:21 pm

    Oi,
    Acabei de ler e adorei as metáforas riquíssimas, a prosa tão elegante, as inúmeras referências à cultura americana, as descrições de personagens e ambientes. Tudo tão interessante, apesar da redundância da passagem de Theo por Las Vegas.

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