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Por que The Legend of Zelda: Majora’s Mask, um jogo sobre morte, fé e aceitação, é um dos melhores games de todos os tempos?

by on dezembro 21, 2015
 

“The Legend of Zelda” é uma franquia mágica. Na superfície essa saga da Nintendo é simples até dizer chega, mas muitas vezes ela explora temas muito mais profundos do que a luta da luz contra as trevas. Só que tudo isso num subtexto, no pano de fundo das histórias. De qualquer modo, quase todas as encarnações te colocam em um mundo com bastante exploração, figuras únicas, o velho enredo do bem contra o mal, muitos vasos para quebrar, gramas para cortar e uma princesa para salvar. Dos muitos jogos da saga, um dos meus favoritos é “The Wind Waker”, originalmente lançado para o Game Cube em 2002. Esse game é aquele que possui um Link cartunesco navegando pelos sete mares. Tive sorte de jogar essa pérola na época do lançamento. E o outro Zelda no topo da minha preferência é o clássico “Majora’s Mask”, que deu o ar da graça no fim do ciclo da vida do Nintendo 64, no saudoso ano 2000. No começo de 2015 esse game ganhou um remake para 3DS e foi com essa versão, a “Majora’s Mask 3D” que eu embarquei em Termina, o local onde Link teve sua jornada mais peculiar e original.  Ah, a versão do 3DS é extremamente superior a original. Muitos dizem que ter “save points” por tudo quanto é lado tira a tensão do game. No entanto, não ter a capacidade salvar com facilidade em uma versão portátil não seria nada prático. As únicas alterações que podem ser consideradas ruins é a mudança no modo de nado da máscara Zora e a batalha contra Odolwa. De resto, não há motivo para saudosismo, embarque sem medo nesse remake. Com isso fora do caminho, vamos analisar o porquê de Majora’s Mask ser tão atemporal e único.

Tirando “A Link Between Worlds”, Majora’s Mask é o Zelda com maior liberdade de exploração que você irá jogar. Praticamente assim que você liga o console tu será bombardeado com várias missões e ainda por cima há um limite de tempo para isso. Por que há um prazo para cumprir suas tarefas? Ora, a lua está em rota de colisão com Termina. Termina? Por que Link não está no seu tradicional palco de ação, Hyrule? Bem, após o fim de “Ocarina of Time”, sim MM (“Majora’s Mask”) é uma continuação direta de Ocarina, Link volta a ser criança, com toda a experiência de sua aventura pregressa, mas sua companheira de batalhas, a irritante fada Navi se escafedeu. O orelhudo, junto de sua égua Epona, vai atrás da fada, apenas para dar de cara com o Skull Kid utilizando uma máscara sinistra. Que máscara é essa? Ora, apenas aquela que dá título ao jogo, a amaldiçoada Majora’s Mask. Majora é um poderoso espirito maligno, insano e infantil que habita a máscara. Ele desperta o que há de pior em quem utiliza o objeto e lentamente toma controle de seu hospedeiro. E o antes inocente Skull Kid, agora utilizando a máscara Majora, toma Epona do herói de “pijama” verde… Link, que não tem sangue de barata, corre atrás do endiabrado Skull Kid, apenas para ser transportado para uma terra estranha, a tal Termina. E de quebra, Link acaba sendo transformado em um Deku Scrub. Acha que acabou as tormentas do aventureiro? Sabe nada, inocente. O “Majora Kid” ainda colocou a lua em rota de colisão com Termina. É amigo, você encontrou um destino terrível, não é mesmo?

MM foi lançado dois anos após “Ocarina of Time” e utiliza a mesma engine, o mesmo “motor de jogo”, do game que colocou a franquia num mundo de exploração em três dimensões. A direção de arte também é a mesma e muitos dos recursos e personagens foram utilizados do game anterior. Aliás, a equipe responsável por MM é o mesmo time do Ocarina, só que em tamanho reduzido. No entanto, a história e o clima são totalmente diferentes. Enquanto Ocarina é a jornada do herói, uma saga sobre amadurecimento, do garoto que saiu do nada para salvar o reino com sua coragem, MM é algo mais mórbido e sombrio. É sobre encarar a morte, rejeição, aceitação e superação. Você irá utilizar máscaras com o espirito de heróis que já morreram e partiram dessa vida sem completar seus objetivos. Também é preciso correr contra o tempo. O fato do jogo se passar durante três dias, e no fim desse período ocorrer a queda da lua, força o aventureiro a lidar com o sentimento de desamparo, abandono e desesperança. Para chegar no fim dessa jornada é preciso encarar um bocado de temas pesados, ainda mais para um Zelda. O jogador só terá completado sua viagem, e coleção de máscaras, se tiver auxiliado todos os habitantes de Termina a lidarem com o fim inevitável e ajuda-los em suas tristes histórias, mesmo com o fim tão próximo. Isso tudo em um título para toda família, quem diria hein?

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Link utilizando a Deku Scrub Mask e assumindo a forma do filho do Mordomo Deku

Até as dungeons desse game passam a sensação de abandono. Os calabouços mais para o fim de MM irão fazer com que você se perca várias vezes. Os desafios aqui são mais complexos que a maioria dos outros Zeldas. As dungeons ainda trazem a opção de coletar fadas vagantes para restaurar a Great Fairy da região. Algo que irá fazer com que tu arranque seus cabelos, caso ainda tenha algum depois do Great Bay Temple.

E como esquecer que esse Zelda possui vários estilos de jogatina? Sendo o Link criança, você luta com espada e escudo e tem acesso a várias bugigangas. Até aí é o de sempre, mas aí entra as máscaras de transformação. Como Deku Scrub você pode pular sobre as águas, soltar bolhas, planar brevemente com ajuda das Flores Deku e dar rodopios. Na forma de Goron sua força é enorme, é possível carregar itens pesados, pressionar botões que antes não se ativavam e a locomoção fica surpreendentemente rápida, graças ao modo bola. Utilizando a máscara Zora você pode nadar rapidamente, criar uma barreira e usar suas barbatanas como bumerangues. Todas as formas já citadas podem manusear um instrumento musical especifico para decifrar diversos quebra-cabeças durante o jogo. As máscaras são pura genialidade e expandem totalmente a jogabilidade de “Majora’s Mask”. Qual outro Zelda te oferece tantos modos de jogar o mesmo game?

Mas sabe o que é o mais interessante desse jogo? Por você estar preso no ciclo de três dias, tendo que utilizar a Ocarina do Tempo para alterar seu terrível destino, abusando da viagem temporal para tal, muitas das suas ações só terão significado imediato para você. Você irá fazer amizades, modificar vidas, fazer negociações e criar elos, no entanto, assim que você utiliza a Ocarina do Tempo, todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Então por que ajudar os outros nessa jornada? Você irá realizar as side quests porque elas farão que você se sinta mais seguro nesse mundo sem esperança. Apenas adquirindo as máscaras e corações, que são dos poucos itens que viajam no tempo contigo, é que você terá mais força para completar o grande objetivo. Então acaba sendo um ato um pouco egoísta, contudo ao mesmo tempo de muita grandeza. Pois você irá fazer um bem maior para todos, salvando Termina da destruição da lua e da fúria de Majora, no entanto nunca receberá a devida gratidão para tal ato.

Esse game te deixará na ponta da cadeira, extremamente tenso. Lidar com o pouco tempo para salvar o mundo, tentar organizar seu tempo para realizar as quests que exigem horário e condições especificas para o sucesso ou insistir em completar uma dungeon quando o tempo corre contra você. São atividades ao mesmo tempo divertidas e estressantes. Se esforçar para achar todas as máscaras, itens e até mesmo depositar dinheiro no banco do ceguinho (um dos conceitos que perdem sentido quando se leva a viagem no tempo em consideração, mas vamos dar esse desconto) são coisas que você irá fazer, pois você precisa. Você quer ter mais magia, pois irá precisar dela para poupar tempo. Você quer uma espada melhor para economizar tempo nos combates. Tempo. Para vencer o tempo você tem que investir mais tempo no jogo.

Majora’s Mask é uma obra notável. Algumas missões opcionais podem assustar, devido à dificuldade e inúmeros detalhes. Destaque nessa categoria para a tarefa de unir mais uma vez Anju e Kafei. Para essas quests dificultosas eu digo, não tenha medo de recorrer a um guia. No entanto, evite ao máximo ajuda externa nesse game, pois, essa jornada é única e grande parte da diversão é encontrar seu jeito para resolver os dilemas em seu caminho. E muitas dos seus deveres em Termina possuem mais de uma solução.

Falando em Termina, esse é um local realmente único. A origem do nome vem de terminal, ou seja, um lugar onde as pessoas vêm e vão, um local de encontros e despedidas, um dos temas do jogo. E Termina está constantemente rodeada pela morte. Seja devido a lua se aproximando desse mundo, os inúmeros espíritos espalhados pela região, os mortos-vivos ou aqueles que falecem no decorrer do jogo. O fim da vida é uma constante em Termina. Não é à toa que cada região de Termina representa um dos cinco estágios do luto. Clock Town representa a negação, já que os habitantes da cidade negam a queda da lua, mesmo com ela estando numa proximidade assustadora, literalmente acima da cabeça deles. The Swamp é a raiva, já que os Deku Scrubs querem matar o pobre macaco que não fez nenhum mal a eles, apenas para descontar em alguém sua frustração de terem perdido sua princesa. The Mountains é a barganha, já que os Gorons acreditam que seu herói morto, Darmani, irá vir salva-los se eles tiverem fé nisso. The Bay é a depressão, já que os Zoras lamentam a perda de seu herói e guitarrista da banda The Indigo-Go’s, Mikau. E Ikana Canyon é a aceitação. Esse é o lugar onde Link não assume uma nova identidade a partir de máscaras e quase todos nesse local estão mortos. Cabe ao herói aceitar a partida de Navi, que pode ou não estar morta, mas com certeza se foi da vida do hyruliano, confrontar Skull Kid e pôr um fim definitivo em sua jornada, seus dias repetitivos, seu “dia da marmota”.

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Link usando a Goron Mask e na forma do lendário herói Darmani

Outra curiosidade interessante em MM é que o número quatro tem grande importância na aventura. Quatro é o número de templos presentes em Termina. Quatro é o número de guardiões desse mundo, os Gigantes que representam os pontos cardeais (Norte, Sul, Leste e Oeste) e que protegem cada uma das áreas de Termina. Você possui quatro máscaras de transformação: Deku Scrub, Goron, Zora e Fierce Deity. Talvez haja uma razão para o número quatro se repetir tantas vezes nessa epopeia. Na cultura asiática, há uma aversão ao número quatro. Isso é devido uma superstição comum em países da Ásia Oriental como a China, Japão, Coreia, e Taiwan bem como Sudeste da Ásia. A letra chinesa para quatro (四, pinyin: s ì), tem som muito semelhante à palavra morte (死, pinyin: s ǐ). Semelhantemente as palavras sino-japonesas e sino-coreanas para quatro, shi (japonês) e sa (coreano), soam idênticas à morte em cada língua. No Japão, para não pronunciar o número quatro, eles pronunciam “Yon”. E como esse é um game japonês, não é difícil de se imaginar que ligar quatro ao tema de morte tão presente no game tenha sido feito de maneira consciente.

Falando sobre a relação da morte e esse game, algo que sempre despertou interesse e marcou os jogadores dessa aventura é o fato de Link sentir dor quando coloca uma das máscaras de transformação. Em uma entrevista para a Game Informer, Eiji Aonuma, o diretor responsável por “Majora’s Mask”, forneceu a seguinte resposta:

“Nós estamos falando de máscaras que foram criadas contendo as memórias de pessoas que morreram. É comum que haja coisas que eles realmente queriam fazer antes de deixar esse mundo, então ao se tornar essas pessoas é algo realmente doloroso pois é como incorporar um espírito poderoso dentro de você.”

E para completar ele também foi perguntando sobre a última máscara do jogo, a poderosa Fierce Deity Mask (traduzindo ao pé da letra seria algo como “Máscara da Divindade Feroz”). Que espírito estaria habitando essa máscara?

“O melhor que posso te dar é uma sugestão. O mais sensato jeito de pensar sobre isso é que as memórias de todas as pessoas de Termina estão dentro da Fierce Deity Mask.”

Se você levar em conta que há apenas um único momento canônico, tirando os chefes já derrotados e a pescaria (na versão 3DS), onde você pode colocar a Fierce Deity Mask, essa explicação faz todo o sentido. E analisando o nome da máscara, é justo pensar que o povo de Termina utiliza Link como representante da raiva coletiva contra as artimanhas de Majora, não é mesmo?

E vamos dar uma olhada em mais entrevista de uma figura célebre relacionada a Zelda. Em um depoimento para a Nintendo Power, os repórteres da revista Nintendo Power perguntaram a Shigeru Miyamoto, lendário criador de franquias da Nintendo e produtor/supervisor de “Ocarina of Time” e “Majora’s Mask”, se houve algo que ele não foi capaz de integrar em “Ocarina of Time” e que ele desejava incluir em “Majora’s Mask”. Acompanhe abaixo a resposta do guru da Big N:

“Sim. E por isso que decidimos basear o jogo no intervalo de três dias. Isso permite aos jogadores verem os personagens em suas rotinas diárias em mais detalhe. Dependendo da hora do dia que você visitar determinado personagem, ele ou ela estarão fazendo coisas diferentes que podem revelar dicas para o mistério central do game. Para conquistar o game e completar seus mistérios, o jogador tem que se envolver com muitos personagens e descobrir novas máscaras. ” – Shigeru Miyamoto, Nintendo Power Edição 134.

A partir das palavras de Miyamoto podemos ver que “Majora’s Mask” foi projetado para realizar algumas coisas que “Ocarina of Time” não teve sucesso de alcançar em sua época. O time responsável pelo jogo deixou claro em outras situações que seu principal desejo era reforçar a interação os personagens. É só revistar Ocarina e comparar as missões paralelas daquele jogo com as de MM. Em MM você entra no drama pessoal de cada personagem, seja no caso do fantasma de Kamaro, um talentoso dançarino que morreu sem passar seus ensinamentos para ninguém, ou ajudando a jovem Pamela a salvar seu pai da maldição dos Gibdos. “Majora’s Mask” te mostra um pouco das angústias e objetivos dos habitantes de Termina nessas missões paralelas. A maior side quest de “Ocarina of Time” é a sequência de trocas de itens para adquirir a Biggoron Sword, onde o único grande beneficiado pelos eventos é o próprio Link.

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Link com a Zora Mask e na forma do guitarrista Mikau

Majora’s Mask no fim das contas é uma obra sobre fé. Link tem fé de que irá reencontrar Navi e resgatar Epona. Os habitantes de Termina tem fé de que Link poderá ajuda-los com seus sonhos. Já a fada Tatl tem fé de que o herói de verde irá parar a lua de se chocar com o mundo e fará ela se reunir com seu irmão Tael. E por último, até mesmo o endiabrado Skull Kid, no fundo, no fundo, tem fé de que irá rever seus antigos amigos, os quatro Guardiões Gigantes.   Então, não importa quão terrível e drástica seja a situação, com um pouco de fé é possível seguir em frente. Afinal de contas, como diz o velho provérbio, com tempo e esperança tudo se alcança. Link, equipado com sua inestimável Ocarina do Tempo, tem todo o tempo do mundo. Só falta você ter fé que irá chegar ao fim dessa jornada.

E ei, esse é um dos poucos Zeldas onde a princesa Zelda mal aparece (nesse game ela dá as caras por exatamente um minuto). Com tanta gente reclamando, infundadamente, que todo Zelda segue sempre a mesma fórmula, só isso já torna “Majora’s Mask” diferente e faz com que ele mereça uma conferida, não?

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Link trajando a misteriosa Fierce Deity Mask em seu embate final contra a Fúria de Majora

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